terça-feira, 19 de abril de 2011

Querência




 Por Renato Schorr


Denominação muito usada no Estado do Rio Grande do Sul. Os gaúchos têm verdadeira paixão pelo termo querência, em especial, querência gaúcha. Utilizada para definir e determinar o território do mais sulino dos estados brasileiros. É bem verdade que a utilização do termo extrapolou as fronteiras limítrofes dos rios Manpituba e Uruguai, vindo a ser empregado em nome de casas comerciais, postos de combustíveis, hotéis, pousadas, churrascarias, entre tantos outros, até mesmo para denominar fazenda, longe do pago sulino. 

            Vale lembrar a palavra aquerenciar. Essa logo traz o sentido de se estabelecer em determinado ponto, quer município, cidade, estado, rincão. Todavia, há uma conotação mais profunda que justifica a utilização do termo, eis que possui o sentido carinhoso dos gaúchos pela terra querida. Totalmente desprovido do espírito de mais brasilidade do Rio Grande em relação aos demais estados da Federação brasileira, porém, ocorrem alguns fatos altamente significativos que causam estranheza tanta, ao ponto de buscarmos explicações no imaginário! Onde estariam as razões desse estranho sentimento com relação à terra mais gelada do Brasil. Quais os fatores especiais para enraizar ao ponto de abrir mão de viver em outros estados da federação onde o clima é convidativo, sem tantos rigores!
            Esta situação também se retrata com pessoas de outros estados, uma vez deslocados para os pagos sulinos, em missão de trabalho, amor, estudos ou outras atividades, não raras vezes se tornam mais gaúchos que nós, filhos da própria terra. No Rio Grande há uma simbiose entre homem e cavalo, relativo ao povo crioulo daqui, compreensível diante das atividades campeiras e do próprio fascínio e sentimento de liberdade que sentimos quando montados no lombo dum flete. Mas, fico a me indagar. Qual é a estranha atração contida no solo gaúcho que tanto atrai viventes de outras paragens? Além de fincar bandeira na defesa desta Pátria, se sujeitam as agruras da invernia!

            É bem verdade que o inverno traz em seu bojo o aconchego! Talvez haja nesse ponto um dos “ícones”, já que é impensável alguém resistir a um flerte sob temperatura amena. Mas, retomando o assunto, fico pensativo, reflito, tento encontrar uma razão e cada vez me enleio mais. Tanto frio neste Rio Grande de Deus! O vento cortando a cara, a garoa sem trégua e, cada vez mais gente morando nesses confins, feito fim do mundo. 

            De outra banda, a vantagem do inverno está no derredor do fogão a lenha, da lareira, do fogo de chão, duma cachacinha aquentado o peito, no chimarrão bem cevado, rodando feito pião, em forma de fraternidade. Mas o que é essa querência? É nosso pago bendito! O azul infinito! As prendas bonitas! A bela fauna e flora! Os rios caudalosos, as serras emoldurando o horizonte; a rica história transcendendo os tempos; o povo trabalhador; xucrismo; campeirismo: cancioneirismo; repentismo; Há ainda, um legado cultural recheado de façanhas e telurismo. Enfim, são os costumes de minha gente, próprios de um povo que aprendeu desde piá a levantar antes do raiar do dia, pular na mangueira para tomar o apojo da mansinha, da bragada ou da bonita, para se criar forte e robusto, porque o pago o quer assim.  







            Querência, belo nome, quase um poema numa só palavra! Querência é o rincão querido que nos “viu” nascer, nos agasalhou quando guri nos alimentou a vida toda, nos deu o privilégio de nele correr, brincar, labutar, fazer fortuna, amar, reproduzir, sorrir, ser feliz. (Infeliz somente é quem assim o deseja, pois, há muito mais razões para viver alegre do que estar carrancudo). E ainda, de lambuja, nos fornece um cantinho para fazer a própria campa quando morrer. 

Rio Grande, eterna querência!

Um comentário:

  1. Querência rincão querido
    Do bochincho e do fandango...
    Da boleadeira e do mango,
    Da coxilha e da canhada...
    Querência verde e orvalhada
    Nos ventos que se adelgaçam
    Repetindo quando passam
    Já fui tudo e não sou nada.

    Jayme Caetano Braun

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